Caso um servidor público tenha alterado o gênero com o qual se identifica, para o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), o cálculo da aposentadoria deve ser feito conforme o registro civil de nascimento, modificado após a decisão do interessado. O entendimento foi uma resposta a uma consulta feita pelo Instituto de Previdência de Itajaí, sobre como aplicar as regras de aposentadoria em casos de mudança de sexo/gênero. Hoje, a legislação previdenciária prevê tempos de contribuição distintos para homens e mulheres. Ainda não há regras claras em relação à aposentadoria de pessoas trans ou não-binárias.
Segundo a decisão do TCE-SC, inicialmente, o que vale para aposentadoria é o gênero registrado na certidão de nascimento no momento do requerimento do benefício previdenciário. Se a alteração do gênero ocorrer após o pedido de aposentadoria, o caso deverá ser avaliado conforme o novo gênero constante nos documentos. Também não pode haver, conforme o TCE-SC, tratamento diferenciado com relação à tramitação do requerimento de aposentadoria feita por pessoas trans.
Conselheiros consideraram posição do STF
Durante a sessão que decidiu o posicionamento do TCE-SC, duas posições foram colocadas. A primeira, vencida, foi a do relator do processo, conselheiro Cleber Muniz Gavi. Ele defendeu que os atuais entendimentos jurídicos sobre a questão de mudança de gênero em documentos pessoais não se aplicam a questões previdenciárias. Já para o presidente do TCE-SC, Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em repercussão geral sobre o assunto têm incidência em diversas áreas, inclusive a previdenciária. Para ele, cabe ao TCE orientar os gestores públicos sobre como aplicar essa jurisprudência a casos concretos, como o do município de Itajaí. A posição do presidente do TCE-SC acabou vencendo por 5 votos a 2.
Para a presidente da Comissão de Biodireito e Bioética da Associação de Direito das Famílias e Sucessões (ADEFAS), Ana Claudia Brandão, o posicionamento do TCE-SC é problemático. Ela explica que a alteração de gênero só produz efeitos para o futuro, ou seja, não retroage. “O novo sexo irá regular as relações jurídicas a partir da alteração”, ressalta. Assim, ao menos em tese, o tempo necessário para aposentadoria de pessoas trans, por exemplo, deveria ser avaliado levando-se em conta o sexo biológico até a data em que a mudança de gênero for registrada. Após a mudança no documento, a contabilização poderia ser feita considerando o novo gênero que consta no documento.
Desde 2018, seguindo orientação do STF, uma pessoa transexual (que não se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu) pode solicitar a alteração de seu registro civil, mudando o nome e o gênero. De acordo com a decisão, isso pode ser feito mesmo se a pessoa não tiver se submetido a cirurgias de redesignação sexual. Assim, uma pessoa que biologicamente nasce homem, mas depois se apresenta como uma mulher transexual, pode pedir para mudar seu registro de nascimento, para que nele passe a constar a informação de gênero ou sexo feminino e não mais o masculino. Para isso, a solicitação pode ser feita diretamente nos cartórios, sem necessidade de uma ação judicial.
(Gazeta do Povo)